Antonio Vieira e… Laessio?

Na última aula trabalhamos o Sermão da Sexagésima de Antonio Vieira. O Sermão trata basicamente de como se fazer um sermão. A obra apresenta não apenas aspectos relacionados ao semanário, mas também aspectos da linguagem para qualquer atividade de eloquência. Por esse motivo é um dos sermões de Vieira mais estudados, não apenas pela área de Letras, mas também pela área de Comunicação Social e Direito.

Contexto histórico

O Sermão da Sexagésima foi realizado um ano depois do Sermão de Santo Antonio aos peixes, em 1655. No sermão, Vieira critica os Dominicanos, que queriam  levar os indígenas à Inquisição por heresia. A linguagem é utilizada por Vieira, portanto, como ferramenta para contrapor os Dominicanos.

No Sermão de Santo Antonio aos Peixes, são os jesuítas contra os Colonos. Já no Sermão da Sexagésima, serão os Jesuítas versus os Dominicanos frente à Inquisição.

Vale lembrar que, com a Reforma Protestante, a Igreja católica perdia cada vez mais seus fiéis. Dessa maneira, Vieira tentou incutir na mente das pessoas os dogmas da religião católica.

A obra

A obra foi escrita em prosa e sua temática está pautada na religiosidade. O Sermão da Sexagésima foi proferido na Capela Real de Lisboa, em 1655. Está dividida em 10 capítulos, e Vieira faz uso da metalinguagem para apresentar sua ideia central: pregar é semear.

A partir de diversas analogias ele usa da argumentação para responder as perguntas que ele mesmo faz.

O seu discurso é construído nas regras da parenética. Nos dois primeiros capítulos, Vieira aponta o tema de sua pregação que é propriamente a prática da oratória, buscando compreender porque a palavra de Deus não encontrava mais efeito entre os ouvintes. Para apresentar sua arte de persuadir, Vieira faz uma crítica aos dominicanos, adversários tradicionais dos jesuítas que vinham ganhando terreno na preferência do público devoto. Para Vieira, este deve ser pregado por quem é exemplo de vida apostólica, e não por aqueles que se dedicavam a emendar os erros, perseguindo os cristãos já existentes ao invés de converter novos fiéis.

Vieira também deixa clara a escolha do tema, definindo-o e buscando sustentação nos textos sagrados. Assim, parte do versículo bíblico “A semente é a palavra de Deus” (Semen est Verbum Dei). A partir de recursos de estilo, o padre jesuíta põe em suspenso uma dúvida: “Se a palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus?” A partir desse questionamento procura deixar o público confuso, envolvendo-o em reflexões acerca do que propõe discutir. Já se sabe que apenas ao final se encontrará uma resposta clara para o que pretende o locutor.

Uma parte da obra é dedicada ao ouvinte, e a outra, a maior parte, é dedicada ao ato de pregar.

Sobre o ouvinte, ele usa a comparação sobre a terra boa e a terra má. A terra boa são os homens de bom coração: nestes prende e frutifica a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um.

A terra má é aquela formada pelos espinhos e pelas pedras.

Os espinhos são aqueles que vão pelo prazer de ouvir agudezas, que é o uso da linguagem gongórica.  A linguagem gongórica é um estilo introduzido na literatura espanhola por Luis de Góngora, e depois adaptado por outros escritores peninsulares, assim como os Dominicanos, em que predominavam os latinismos, os neologismos, os trocadilhos e as metáforas. Daí já se percebe uma pequena crítica à forma de pregar dos Dominicanos.

Quanto às pedras, são aqueles com vontades endurecidas. Vieira diz que  não há maneira de se ensinar se os corações estão endurecidos. Se não há motivação, não há como pregar.

Nos capítulos que se seguem, Vieira vai tratar das cinco circunstâncias do pregar: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz.

A pessoa é representada pelo Pregador, que deve ser exemplo e agir. Segundo Vieira, pregar é agir: as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o Mundo. O pregador deve ater-se a pregar obras e não pensamentos.

A ciência: Vieira diz que é preciso ter voz própria, não ser alheio à matéria do sermão. Não basta repetir, não basta fazer copy & paste. Para Vieira, pregar não é recitar, mas entendimento,

A matéria: um sermão tem que ter uma única ideia.  O pregador deve ter conhecimento completo sobre a matéria, deve dividi-la e confirmar com exemplos.

O estilo: nesta parte encontramos novamente a crítica levantada por Vieira contra os padres dominicanos, cujo estilo pautado na concepção cultista, dificultava o entendimento do sermão. Para o jesuíta, o estilo há-de ser muito fácil e muito natural.

A voz: o pregador deve bradar e gritar no momento certo, uma vez que, para Vieira, a eficácia do sermão ocorria pelo medo de Deus e temor a Ele.

O essencial da obra

 

Nos últimos capítulos, Vieira irá persuadir a platéia, dizendo que, por vezes, as cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz estão presentes, todavia o pregador não é capaz de passar a mensagem. O que será que há de errado?

As palavras que tomei por tema o dizem. Semen est verbum Dei. Sabeis, Cristãos, a causa por que se faz hoje tão pouco fruto com tantas pregações? É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não são palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve. A palavra de Deus (como diria) é tão poderosa e tão eficaz, que não só na boa terra faz fruto, mas até nas pedras e nos espinhos nasce. Mas se as palavras dos pregadores não são palavras de Deus, que muito que não tenham a eficácia e os efeitos da palavra de Deus?

Conclusão: para que fosse possível nascer fruto nos espinhos e até mesmo nas pedras, não pode usar apenas palavras, é preciso dar substância à palavra, é preciso persuadir.

A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena. Quando o ouvinte a cada palavra do pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atônito, sem saber parte de si, então é a preparação qual convém, então se pode esperar que faça fruto: Et fructum afferunt in patientia.

Cartas para um Ladrão de Livros

 

O que Vieira tem a ver com o nome Laessio? Bem, em minha pesquisa através da internet sobre o Sermão da Sexagésima, descobri que 16 volumes da primeira edição dos Sermões de Antonio Vieira (1679) estavam armazenados no Museu Nacional. Sim, aquele Museu localizado no Rio de Janeiro que sofreu o incêndio em 2 de setembro de 2018, o mesmo da foto de abertura deste post.

Então quer dizer que a primeira edição dos Sermões de Vieira viraram cinzas? Bem, quase. Não viraram literalmente cinzas, mas metaforicamente. Um ano e meio antes do incêndio, essas obras foram furtadas. Acredita-se que o furto tenha sido realizado por Laéssio Rodrigues de Oliveira, de 44 anos, ex-estudante de Biblioteconomia envolvido em furtos de livros, e Valnique Bueno, seu comparsa.

A vida do criminoso virou filme, financiado com dinheiro público (!!!). Confissões de um Ladrão de Livros foi lançado em março de 2018, financiada pela Ancine. Li na internet que o fato da Ancine ter patrocinado esse filme significa que ela (a Ancine) está chancelando os danos ao patrimônio público, como se colocasse nariz de palhaço nos servidores públicos. Ou seja, o patrimônio é subtraído, e o próprio patrimônio público financia a produção do filme e divulga o “trabalho” do criminoso.

Pior do que isso é saber que há uma grande parte da elite brasileira que se relaciona com o passado, e o passado é uma mercadoria a ser consumida privadamente.

Muito pior do que isso é dar graças a Deus que os 16 Volumes da primeira edição dos Sermões de Antonio Vieira não viraram pó no incêndio do Museu Nacional, mas estão empoeiradas em alguma coleção privada de algum brasileiro que entendeu que poderia pagar por isso e privou esse direito ao resto dos brasileiros.
E é assim que cuidamos de nossa história nacional.
https://youtu.be/smKSFyC_UIQ

 

 

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