Na aula desta semana continuamos a ler o material de Rodrigo Duarte, entitulado Barroco – Lastros Ideológicos e Antecipações Utópicas.
O Barroco é uma arte dramática, daí ser chamada de Drama Barroco Alemão por Walter Benjamin.
Walter Benjamin, em seu livro A Origem do Drama Barroco Alemão, escrito em 1928, promove uma verdadeira revisão da idéia de barroco e de tragédia. Walter diferencia o drama trágico da tragédia, divergindo da visão tradicional sobre a qual ancoravam-se os historiadores literários de sua época e ainda os de hoje. Além disso, Benjamin ainda estabelece pontos de convergência entre o drama trágico e a alegoria. Em linhas gerais, interessa entender que o filósofo opera uma extensa revisão da história da literatura moderna para demarcar o lugar do barroco na literatura alemã. O “drama trágico do Barroco alemão passou a ser visto como uma caricatura da tragédia antiga”, como um “renascimento tosco da tragédia”, cuja “forma” estava “carregada de defeitos estilísticos”. A partir desta hipótese, Benjamin procura desfazer o “equívoco” que, “durante muito tempo”, contribuiu para “estagnar a reflexão” em torno do assunto.
Walter Benjamin parte da tentativa de entender o luto, que seria parte constitutiva do drama trágico, partindo da visão de mundo do melancólico. A “fixidez contemplativa”, a “meditação profunda”, própria de quem é “triste”, e o “pensamento grave” seriam características do espírito melancólico.
Ao delinear suas reflexões sobre a melancolia no drama barroco, Benjamin transcende os limites desta forma artística, sugerindo que a História também poderia ser concebida como drama trágico.
Ainda no livro sobre o barroco, Benjamin recupera a idéia de temperamentos humorais, associada à escola médica de Salerno, para entender o humor melancólico. De acordo com esta escola, a origem fisiológica da melancolia é o acúmulo de bile negra no organismo que corresponde, na teoria dos humores, ao excesso dos elementos seco e frio. Em decorrência, o sujeito melancólico seria “invejoso, triste, avaro, ganancioso, infiel, medroso e de cor terrosa”.
Benjamin também resgata Goethe para refletir sobre o símbolo e a alegoria.
Para Goethe, o poeta é capaz de apreender e de representar o particular através do símbolo, por isso a configuração estética simbólica seria superior quando comparada à alegórica. Goethe entende que, na representação simbólica, a partir do particular atinge-se o universal. Já a alegoria promoveria o movimento inverso: o poeta partiria do universal para chegar ao particular. Na opinião de Benjamin, contrariando Goethe, seria impossível captar a essência da universalidade. Posto de outra forma: o universal, ao invés de ser concebido em sua positividade, como algo factível, possível de ser estabelecido, deve ser entendido pelo negativo. Isto é: diante da impossibilidade de se estabelecer um referencial estável sobre o que seja universal, Benjamin reconhece que só se pode atingir a ideia de universalidade de forma precária, imperfeita, portanto, melancólica.
Divergindo de Goethe, Benjamin valoriza o recurso alegórico e reconhece que ele molda a exposição barroca devido às circunstâncias históricas. Pois é na alegoria que nos deparamos com a face doente, que nos revela uma “paisagem primordial petrificada”. A História, enquanto manifestação do “sofrimento” e do “malogro”, representaria a “via crucis do mundo”, através do rosto cadavérico.
Acompanhando suas reflexões sobre o drama barroco, percebemos que na alegoria “cada personagem, cada coisa, cada relação pode significar qualquer outra coisa”, pois a alegoria sempre “significa algo de diferente daquilo que é”. Assim, no “campo da intuição alegórica”, a imagem é sempre “fragmento”.
Baseado nesta renovada definição do Drama Barroco que Walter Benjamin nos apresenta, procurei encontrar na imagem de Jesus a Caminho do Calvário, de Aleijadinho, traços dessa alegoria melancólica.
Primeiramente é preciso separar sincronicamente as obras: os estudos de Walter Benjamin sobre o Barroco se baseiam na leitura que ele fez sobre o drama alemão do século XVII. A obra de Aleijadinho é datada do século XVII. O barroco brasileiro foi influenciado pelo barroco português, mas ao longo do tempo acabou assumindo característica próprias. A grande produção artística barroca no Brasil ocorreu nas cidades de Minas Gerais, no chamado século do ouro.
Ao contemplar a face de Jesus carregando a cruz, parece-me ser possível identificar o sofrimento e o malogro que Walter Benjamin denuncia estar presente no Barroco. É através dessa imagem imperfeita, melancólica, que se poderia atingir a ideia de universalidade.
A face dolorida de Jesus realmente me fez pensar que melancolia é realmente uma pré-catarse. A escultura parece revelar que Jesus perdeu a sua inocência, não podendo mais viver do símbolo. O sentimento transmitido é a decadência, algo que já ruiu e não está mais ali. Deus não está ali para ampará-lo, há apenas ausências. A posição não ereta, o rosto direcionado para um lado, o corpo para outro, parece refletir a deformação que o corpo de Aleijadinho foi tomando ao longo dos anos, reflexo de uma doença degenerativa que o acometeu. A vida de Aleijadinho parece ter sido tão melancólica quando a sua obra.